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segunda-feira, 1 de junho de 2015

Corrupção e Obras Públicas – O Conflito de Interesses das pessoas envolvidas na obra

Da série "Corrupção e Obras Públicas". Você pode entender como fantasia ou ficção, eu só conto o que eu vi, ouvi e vivi. Será?

Fonte: FreeImages
Há uns dois meses vi uma notícia sobre uma obra em atraso que foi investigada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Uma das irregularidades apontadas foi o fato do engenheiro projetista do projeto básico (que serve como base para a licitação) ser também coautor do projeto executivo, o que é vetado pela Lei das Licitações. O artifício usado foi que quem assinava o projeto era o filho do projetista original, como responsável técnico por uma empresa com um CNPJ diferente. Fiquei pensando, isso é muito mais comum do que se imagina.

Sob o ponto de vista econômico, faz muito sentido utilizar o mesmo projetista que concebeu o projeto no seu detalhamento. Só que isso é vetado pela legislação por uma razão simples, Conflito de Interesses. A ideia, quando se faz uma licitação para uma obra pública, é que se consiga o menor preço dentro de uma qualidade equivalente. Algumas soluções técnicas podem baratear bastante uma obra, sem nenhuma perda de qualidade de desempenho e durabilidade. Apresentar soluções técnicas melhores pode ser o diferencial para uma empresa diante das outras na hora da concorrência. Nada garante que o projetista, que inicialmente concebeu a obra, não tenha dado informações privilegiadas para a empresa que o contratou, mesmo antes da apresentação das propostas. Por isso o conflito de interesses.

Uma das formas “disfarçadas” de corrupção mais comuns é a contratação de algum dos empregados ou terceirizados do órgão público (ou empresa contratante da obra), para a realização de serviços para a contratada. Por exemplo, um empregado da estatal fazendo projeto para a empreiteira, ou fiscal contratado prestando consultoria técnica para a empreiteira, ou a preferência na compra de insumos de um fornecedor que seja parente de um diretor do órgão público, etc. Isso, normalmente, é visto como um pequeno desvio, que se torna uma irregularidade somente pelo “excesso de burocracia”. Mesmo esquecendo da ilegalidade disso, não há como desvincular a relação de troca de favores pessoais com um provável favorecimento nas relações entre o órgão público e a empresa.

Eu lembro de uma empresa que eu trabalhei que tinha um ex-diretor de um órgão público como contratado para ser uma espécie de lobista junto à esse mesmo órgão. Isso é muito comum e não é ilegal. A ideia é de que um profissional aposentado conheça bem o funcionamento dos tramites burocráticos do órgão. Pois bem, um dia tive que levar um documento para esse senhor assinar na casa dele. Quando entrei no apartamento tive que aguardá-lo por algum tempo sentado na sala pois ele ainda não tinha chegado. A sala era imensa e muito bem decorada, com vista perpétua para um lindo parque. O prédio ficava em um dos endereços mais valorizados da capital. Por algumas questões familiares eu sabia, quase exatamente, quanto ele ganhava como aposentado como funcionário público e quanto ele ganhava na ativa, mesmo quando ele era diretor. O valor do apartamento (e do carro dele também) era totalmente incompatível com os rendimentos que ele ganhou na sua vida toda.

Quando ele chegou em casa, talvez percebendo a minha expressão de espanto, começou com uma conversa sobre ter adquirido patrimônio executando projetos para empresas que estavam fazendo obras para outros órgãos públicos que não o dele. Daqui para frente eu suporei que a história dele seja verdadeira. Mesmo assim, não estava certo o que ele fez. Ele trabalhava em regime de dedicação exclusiva para o seu órgão público (e o salário era diferenciado por isso). Ou seja, ele estava cometendo uma ilegalidade em exercer uma outra atividade remunerada que não fosse o magistério. Além disso, é eticamente muito questionável ele fazer projetos para empresas que também faziam obras para o seu órgão público. Havia claramente um conflito de interesses.

Pois é, o padrão ético é uma coisa muito elástica.

Fontes:
http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2015/04/relatorio-do-tce-aponta-inconsistencias-no-projeto-de-obra-da-anita-garibaldi-4736130.html
Lei das Licitações: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm
Lei sobre Conflito de Interesses: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12813.htm

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