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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Corrupção e Obras Públicas – O percentual da propina (ou porque eu acredito nos 3%)

Da série "Corrupção e Obras Públicas". Você pode entender como fantasia ou ficção, eu só conto o que eu vi, ouvi e vivi. Será?

Sempre fui avesso às teorias da conspiração. Quando ouvia falar em alta corrupção na ordem de 10, 20 e até 30% dos valores, sempre achei absurdo. Isso só é válido para pequenas propinas. Por exemplo, para não receber uma multa de R$1 mil, “molhar a mão” do agente público com R$300. Porém, quando se fala em uma obra de, por exemplo R$5 milhões, 30% é dinheiro demais para passar desapercebido. Mesmo que a obra seja superfaturada.


Em setembro de 2014, quando começaram a surgir as notícias de que o percentual de propina pago no esquema descoberto dentro das contratações da Petrobras era de 3%, parei para analisar. Pensei comigo: esse homem (Paulo Roberto Costa), finalmente, está falando a verdade. Então lembrei-me de uma história do início da minha carreira.

Era ano de eleições e o mercado das empreiteiras estava aquecido como era de se esperar. Finalmente eu tinha um emprego bom numa empresa de grande expressão na área. Havia pouco tempo para executar obras de vulto, mas os partidos da situação estavam com medo de perderem a reeleição. Assim decidiram, entre outras, fazer uma obra de impacto em 8, ao invés dos usuais 24 meses. Eu não estava preocupado com política partidária, queria mostrar o meu potencial para fazer carreira na iniciativa privada.

O projeto, como era de se esperar, foi feito às pressas. Mas uma coisa era certa, dinheiro não faltaria para a obra. Digo isso porque o pagamento da parcela de “mobilização de obra” era de 30% do valor total licitado para a obra. A minha função era de planejamento e controle. Ou seja, tudo o que se referia a receitas e despesas, assim como prazos e preços passavam pelas minhas planilhas. É bom ficar claro que nunca fui responsável por receber ou pagar valores, somente controle e planejamento.

Pois bem, naquele afã de tentar fazer o melhor serviço, procurei aprimorar os controles de custeio da obra. Não me satisfazendo apenas em acompanhar os volumes e valores faturados, busquei as planilhas de custo com a contabilidade da empresa. Inicialmente esses dados foram disponibilizados sem maiores impedimentos. Quando comecei a analisar os números, um deles me chamou imediatamente à atenção. Ele correspondia exatamente ao equivalente à 3% do total da obra. E vejam que, apesar de já havermos faturado 30% da verba, não tínhamos gasto na construção e projetos nem 1% do total. Aqueles 3% não faziam nenhum sentido. Eles foram pagos, de uma vez só, para uma empresa da qual nunca tinha ouvido falar e que não estava na nossa lista de fornecedores. Perguntei para o meu chefe direto e ele também não tinha ideia, mas prometeu questionar. Pouco tempo depois fui surpreendido com uma reprimenda. O meu chefe (que gostava bastante de mim) me disse que enfrentou uma forte resistência da alta direção para me manter no cargo. Me disse que eu estava proibido de pegar novamente dados da contabilidade e que me mantivesse nas minhas planilhas e negociações com os fornecedores convencionais. Só pensando no meu emprego, obedeci. É verdade que eu até tentei investigar um pouco mais sobre a empresa misteriosa, mas numa época antes da existência de navegadores da web isso se mostrou impossível.

Como de costume em obras “eleitoreiras” a ânsia de causar impacto gera projetos mal elaborados e execuções descuidadas. Por vários fatores o prazo inicial se tornou inexequível. O partido perdeu as eleições e a obra de 8 meses demorou mais de 8 anos para ficar pronta. Para mim foi uma grande experiência. Para a posteridade ficou a certeza dos 3% e de que eu era muito ingênuo.



Fontes:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1512065-ex-diretor-da-petrobras-lista-politicos-que-receberiam-propina-diz-revista.shtml

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