Uma avaliação comparativa dos efeitos da seca no Nordeste.
Na semana passada estava assistindo o Jornal Nacional, coisa que faço raramente, portanto não acompanho muitas “séries de reportagens”. Pois bem, naquela ocasião vi uma reportagem sobre a atual seca do Nordeste. Naquele momento fiquei tocado, afinal nas raras vezes que fiquei sem água em casa já achei o caos.
Depois comecei a pensar melhor sobre o assunto e me lembrar
de outra seca marcante na minha memória. A do início dos anos 80. Naquela época,
houve uma reportagem memorável no Fantástico (de 1983) em que o repórter João
Batista Olivi, chora ao entrevistar um menino que encontrava força e esperança
para brincar mesmo numa situação como aquelas. Lembro também das campanhas para
arrecadar fundos para os flagelados da seca. Procurei no Youtube o vídeo da
reportagem, e nele também aparecem as tão famosas “frentes de trabalho” (uma
maneira dos governos darem emprego àqueles que tinham perdido tudo).
Comparando as duas reportagens, com exatos 30 anos de
diferença, uma coisa ficou clara: a situação do povo melhorou muito. Não, não
pensem que enlouqueci ou que estou fazendo alguma apologia política para o
partido A ou B. Se têm dúvida, vejas as reportagens. Em 1983 as crianças
choravam de fome, as mães choravam por não terem o que dar de comida para os
filhos, não havia água nem para beber, muita gente morreu de desnutrição, o
gado morria de fome... Pois bem, apesar da seca de 2013 ser a “pior dos últimos
60 anos”, isso dito pelo Secretário de Recursos Hídricos de Pernambuco, Almir
Cirilo, a grande reclamação hoje é a perda do rebanho de gado. Nas palavras do
agricultor Magno Moura, segurando o choro: “Ninguém pode analisar a dor de um
nordestino que perde seus animais. É duro demais. Só quem está aqui, no dia a
dia, vendo eles morrendo aos poucos, sabe". Na mesma reportagem aparece a
dona de casa, Maria Jo, cuja maior reclamação era a pouca água disponível, e
comentava a falta que ela sentia de um banho de chuveiro.
A diferença é gritante, a fome já não mata as pessoas,
somente o gado. A água, de uma forma ou de outra vai até elas e a migração já
não é tão grande quanto em outras épocas.
Para quem ainda ficou em dúvida, aconselho a lerem o livro “Holocautos
Coloniais”. Li este livro há uns 8 anos e foi como um soco no estomago. Nele o
autor analisa períodos de seca entre 1875 e 1900 em três localidades: China,
Índia e Nordeste Brasileiro. Ele demonstra que os períodos de seca são cíclicos
e globais, fortemente influenciados pelo fenômeno “El Niño”. Ou seja, quando
houve grandes secas no Nordeste, também houve em outros locais do mundo. O livro
demonstra claramente a ocorrência das secas e a correlação estatística entre
vários fenômenos. Além disso, mostra a terrível realidade da morte por fome de
mais de 30 milhões de pessoas, num período de 25 anos nesses três locais. No
Brasil ele estima entre 1 e 2 milhões de mortos. Numa citação ele diz que “durante
1877 e 1878, a mortandade no Ceará foi provavelmente perto de 500 mil, ou mais
da metade da população”. A conclusão do autor é de que todas essas mortes
poderiam ter sido evitadas se o imperialismo comercial daquela época não
tivesse sido tão intenso.
Ainda bem que as coisas estão bem melhores.
FONTES:
- Viúvas da seca (Fantástico): http://www.youtube.com/watch?v=PFz1FHffO7w;
http://www.youtube.com/watch?v=-nh4PhMPjpw
- Jornal Nacional: http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-nacional/t/edicoes/v/seca-deixa-municipios-do-rio-grande-do-norte-em-situacao-critica/2502948/;
http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-nacional/t/edicoes/v/sistema-antiquado-joga-agua-fora-no-maior-acude-de-pernambuco/2501379/;
http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-nacional/t/jn-no-ar/v/jn-no-ar-mostra-os-efeitos-da-pior-estiagem-dos-ultimos-anos-no-nordeste/2254406/
- Holocaustos Coloniais – Mike Davis – Ed. Record –
486 p.
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