
Sobre as mortes violentas e a nossa apatia diante delas.
Quando assisti pela primeira vez o filme “Tubarão” (de 1975 dirigido por Spilberg), fiquei muito impressionado. O filme é um clássico do suspense/terror, bom ainda para os espectadores de hoje. O elenco e a direção são ótimos, e o roteiro não deixa a desejar. Tem um monólogo do personagem Samuel Quint (vivido por Robert Shaw) que me marcou para sempre. Ele relatava ser um sobrevivente de um naufrágio no finalzinho da 2ª Guerra Mundial. Depois que o navio afundou, os sobreviventes ficaram flutuando no mar, esperando pelo salvamento. Durante os 5 dias de espera, o cardume de tubarões que envolveu o grupo, pegava um marinheiro a cada 15 minutos. Todos ficaram afastados uns dos outros e torciam para que não fossem os próximos. Cada vez que houviam um grito de morte, sentiam, ao mesmo tempo, um alívio por não serem eles e a dor de perderem um companheiro.
Esta história sempre me fez
pensar em quantas vezes lemos as notícias de mortes violentas, em especial no
trânsito ou por homicídios. E quase sempre nos consolamos pelo fato de, “pelo
menos”, não ser ninguém das nossas relações. Estas pessoas se transformam em
números das estatísticas da violência.
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Com o tempo fui fazendo uma analogia
da nossa reação diante das estatísticas e os sacrifícios humanos da era pré-colombiana.
Os Maias e Incas, assim como culturas anteriores em várias partes do Mundo,
faziam sacrifícios rituais para agradar ou apaziguar os deuses. Cheguei a
conclusão que, por mais frequentes que fossem esses sacrifícios, em nenhum
momento devem ter afetado o equilíbrio populacional. Ou seja a morte das
pessoas só era sentida, pelo menos assim eu imagino, pelos mais próximos. Para os
outros era apenas mais um, desde que não fossem eles. Da mesma forma que
olhamos as estatísticas de mortes violentas.
Vejo os inocentes acidentados e
assassinados, como sendo as oferendas para os sacrifícios humanos da nossa
sociedade. Só damos importância quando nos afeta pessoalmente.
Este post é em homenagem ao meu
cabeleireiro do qual fui cliente por cerca de 20 anos. Não cortava o cabelo com
muita frequência (pois cada vez tinha menos cabelo), mas sempre que nos víamos colocávamos
os assuntos em dia. Conversávamos sobre família, filhos, música, teatro, cinema,
futebol (torcíamos pelo mesmo time), política, etc. Como manda a tradição dos “barbeiros”.
Ele morreu este mês em consequência de um atropelamento. Da última vez que nos
vimos, nas vésperas do fim do ano passado, ele, como era o seu costume, mandou
um abraço para toda a família e com os sempre otimistas votos de Natal. O ano de
2013 seria de grandes planos, conforme ele me confidenciou. Não deu. Gustavo,
para mim tu não é só uma estatística. Obrigado por ter estado na minha vida.
FONTES:
Sacrifícios Humanos: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sacrif%C3%ADcios_humanos_na_Am%C3%A9rica_pr%C3%A9-colombiana
USS Indianápolis: http://pt.wikipedia.org/wiki/USS_Indianapolis_(CA-35)