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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Estou vivo graças à medicina moderna.

  Vou começar dizendo que não sou contra os tratamentos ditos "alternativos". Terapias com ervas, homeopatia, quiropraxia, etc. se mostram eficientes em várias situações. Mas, principalmente, são tratamentos menos agressivos. Quando não se sabe exatamente qual a causa da doença (ou mesmo que doença é) o abuso de medicamentos pode ser pior do que o problema original. Também, quando não há mais esperanças nos tratamentos convencionais, toda a alternativa é válida para tentar a cura ou, pelo menos, aliviar a dor.
  Por outro lado, há muitos anos fiquei de "fiel depositário" dos livros de um amigo que havia se mudado para o exterior. Um dia resolvi ler um deles: "A Assustadora História da Medicina" (de Richard Gordon, com edição brasileira da Ediouro, ainda à venda com uma capa diferente da que eu li). No livro, um bem humorado relato da história médica, são descritos três procedimentos mudaram radicalmente a medicina ocidental. A assepsia (que diminuiu enormemente as infecções e contaminações durante os tratamentos), o uso de anestésicos (que permitiu procedimentos cirúrgicos invasivos) e a descoberta dos antibióticos (que apesar de todos os efeitos colaterais, permitiu que as doenças bacterianas, finalmente tivessem um combate eficaz).
  O uso desses procedimentos, tão corriqueiros hoje para nós, foi o principal fator para o grande salto na longevidade conseguido do século XIX ao XXI. Eu, como disse, só estou vivo graças a isso. Com 10 anos tive apendicite aguda, se fosse no século XVIII, teria morrido de peritonite, com certeza. Já com 45, tive uma crise de cálculo renal e a pequena pedra ficou presa no ureter, o meu rim começou a inflamar e a inchar. Se fosse no passado, só teria sobrevivido com muita sorte.

A influência dos meus tios

   
Minha avó completou 80 anos e na festa de aniversário, depois de mais de uma década, reuniu os 5 filhos. Minha mãe é a mais velha da “ninhada”, casou-se cedo e logo ganhou filhos, como era comum na época. A diferença de idade entre a minha mãe e a minha tia mais velha é de 8 anos, e do irmão mais novo de 13 anos. A consequência disso tudo é que eu tive os meus tios adolescentes durante a minha infância toda. E isso foi fundamental na minha vida! 
   Os meus pais eram extremamente convencionais. Não eram retrógrados, mas tinham as típicas aspirações da classe média brasileira. Isso tudo em plena era do “Flower Power”. Meus tios eram o oposto dos meus pais, queriam viver na paz e no amor (e, de preferência, sem se comprometerem muito). Não gostavam da escola, fumavam muita maconha escondidos (evidentemente) e curtiam muito rock. Naquele tempo a televisão estava começando a aparecer no interior e em toda a minha infância só pegava 1 canal na minha cidade. Rádio só tinha uma e era mais usada como serviço de recados para o pessoal do interior do município. O vídeo-clip também não tinha sido criado no formato atual. 
   Todos os meus tios de cabelos compridos e lisos, calças jeans desbotadas e com boca de sino arrastando pelo chão (desafiador na época), sapatos plataforma. Nenhum deles prestou o serviço militar, por problemas de saúde, para a sorte do exército. Minha tia com os seus vestidos floridos, foi assim até no casamento. Uns amigos deles casaram-se na igreja matriz totalmente vestidos de jeans, um escândalo.
   Não eram, nem de longe, intelectuais e nem engajados politicamente como muitos jovens da época. Mas não estavam desligados do mundo. Sabiam das transformações sociais que aconteciam como uma enxurrada por toda a parte e procuravam se encaixar nessas mudanças todas. Com 11 anos mudei de cidade e perdi o contato frequente com eles.
   Mais tarde os meus pais confessaram que uma das razões para a mudança de cidade foi tentar me afastar da “má influência” dos tios. Na minha memória, eles acabaram sendo, representantes de uma geração perdida, que não estudou (os únicos dois que terminaram o secundário o fizeram já adultos). E que hoje sobrevive de pequenos empregos. E, apesar disso, reclama pouco da condição financeira. Por outro lado, eu sempre me sinto muito à vontade na presença deles, conversando com eles e lembrando das histórias.
   Hoje, cada um mora num canto. Tenho primos pelo mundo afora. Ficou uma fortíssima influência musical, o rock (Led Zeppelin, Pink Floyd, Jethro Tull, Yes, Genesis, Rick Wakeman entre muitos outros). Foram eles que me apresentaram o festival de Woodstock, Bob Marley, Rolling Stones, Janis Joplin e Jimi Hendrix. E foi com um deles, que anos mais tarde eu assisti, no velho cinema das matinês que já estava decadente antes de fechar definitivamente, a versão tardia para o musical Hair. Um perfeito contraponto para os boleros e tangos do meu pai e das operetas e músicas românticas italianas da minha mãe.
   Obrigado, tios!